Arte, mitos e resistência: Citra Sasmita reinventa a tradição balinesa com um toque feminista

Da Redação - Ruído Urbano News
Se você bater o olho nas obras de Citra Sasmita, pode até pensar que está diante de um tesouro artístico do passado. Seus pergaminhos e bordados lembram aquelas pinturas ancestrais, cheias de lendas e figuras míticas. Mas olha de novo. Por trás da estética tradicional balinesa, a artista indonésia coloca a feminilidade no centro da narrativa – e não de um jeito passivo, mas poderoso e transformador.
Sasmita está causando um verdadeiro rebuliço com sua nova exposição "Into Eternal Land", que tomou conta da galeria Curve, no Barbican, em Londres. No longo espaço de 90 metros, seus épicos pergaminhos se desenrolam como um portal para um universo alternativo: um mundo onde só existem mulheres. E não qualquer tipo de representação feminina – mas figuras que desafiam, lutam e se reinventam. Aqui, cabeças de guerreiras brotam como árvores ou se transformam em pássaros, enquanto outras meditam em meio a chamas ardentes.
Virando o jogo na mitologia balinesa
Sasmita cresceu cercada pela tradição balinesa, onde as grandes histórias mitológicas eram contadas majoritariamente por homens – e quase sempre retratavam as mulheres como coadjuvantes. Mas ela decidiu reescrever esses mitos. "Eu estava realmente interessada em explorar a raiz da cultura patriarcal em Bali", conta. Nos antigos manuscritos e épicas, o papel da mulher era quase sempre ligado à sexualidade e à submissão. Sasmita, então, subverte tudo: tira os homens da história e coloca as mulheres como protagonistas.
A curadora da exposição, Lotte Johnson, explica bem esse impacto: "Não são histórias de dominação. São mulheres vivendo experiências viscerais, em comunhão umas com as outras."
Entre tradição e inovação
A arte de Sasmita pega emprestado o estilo Kamasan, uma forma tradicional de pintura balinesa que existe desde o século XV. Essa técnica sempre foi dominada por homens, enquanto as mulheres só ajudavam na fase final, escolhendo cores e detalhes. Siobhan Campbell, especialista em arte indonésia, conta que essa divisão de trabalho era tão enraizada que, por muito tempo, nem se considerava que mulheres pudessem pintar os pergaminhos.
Mas Sasmita rompeu esse ciclo. Ela se aprofundou na técnica com Mangku Muriati, uma das raras sacerdotisas e artistas que ousaram inscrever suas próprias histórias nesses pergaminhos. Agora, a artista leva essa tradição para outro nível, criando sua própria iconografia da feminilidade – algo que antes simplesmente não existia.
"Trazer as mulheres para a narrativa principal desta obra de arte, fazendo delas as heroínas da minha própria história, esta é minha declaração pessoal como feminista", afirma.
Um resgate cultural (e um recado para o governo)
Além de desafiar o patriarcado, Sasmita também questiona o impacto do colonialismo na arte balinesa. Para ela, a ocupação holandesa de 1908 distorceu o significado da arte em Bali, transformando o que antes era uma prática comunitária e devocional em um produto turístico.
"Isso mudou a mentalidade da arte como devoção para algo individualista", critica.
Agora, seu olhar está voltado para o futuro, e especialmente para a valorização dos artistas tradicionais em seu país. Mesmo com o sucesso internacional, Sasmita segue trabalhando de perto com comunidades de artesãos na Indonésia.
"Quero que nosso governo preste atenção aos artesãos e artistas tradicionais. A maneira como herdamos e mantemos o conhecimento é muito forte. É um patrimônio nacional, e um que é muito, muito bonito."